No extremo nordeste do Rio Grande do Sul, junto à divisa com Santa Catarina, a região chamada de Campos de Cima da Serra, onde predominam extensos campos e florestas de araucárias, tem uma altitude superior à de Gramado – acima dos 900 metros, chegando a mais de 1.200 metros em alguns dos pontos mais altos e mais frios do estado.
Além de dois parques nacionais com seus extraordinários cânions em Cambará do Sul, o roteiro pela região surpreende com cachoeiras ainda pouco exploradas e segue até São Francisco de Paula, mais conhecida como São Chico, com sua tranquilidade típica e lindos cenários bucólicos.
Na sequência aparece Três Coroas, onde estão presentes a fé budista e a cultura tibetana, além de esportes de aventura. Esses destinos combinados formam um roteiro de ecoturismo pertinho de Gramado e Canela.
Cambará do Sul: a terra dos cânions
Entre os estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina está a maior concentração de cânions da América do Sul. São dezenas de gigantescas fendas entre os abruptos paredões rochosos, que começaram a ser formadas há cerca de 130 milhões de anos e foram esculpidas lentamente por rios e cachoeiras.
Os dois principais cânions ao longo da borda do planalto da Serra Gaúcha estão em Cambará do Sul, cidade a pouco mais de 100 km de Gramado e que ostenta o título de terra dos cânions. Protegidos por parques nacionais, não é exagero dizer que estão entre os cenários mais deslumbrantes do Brasil.
Opções de trilhas
No Parque Nacional de Aparados da Serra, o Cânion Itaimbezinho é um espetáculo com quase 6 km de extensão em uma fenda mais estreita, 720 metros de profundidade e paredões íngremes quase totalmente cobertos por vegetação.
A parte superior tem duas trilhas autoguiadas, sendo a do vértice a mais indicada para pessoas de todas as idades, já que tem apenas 1,4 km em terreno plano, boa sinalização e mirantes perfeitos para fotos. É a melhor trilha para observar a Cascata das Andorinhas e a Cascata Véu de Noiva.
A Trilha do Cotovelo também é de nível fácil, porém mais extensa, com 6 km ao longo da borda oposta do cânion. Já os mais aventureiros podem fazer a Trilha do Rio do Boi, pela parte inferior.
O parque nacional oferece uma boa estrutura turística, com estacionamento, centro de visitantes e banheiros. A partir do centro de Cambará do Sul, são quase 18 km em estrada de terra até a entrada de Aparados da Serra.
Cânion Fortaleza
No mesmo dia, você consegue visitar outro lugar deslumbrante: o Cânion Fortaleza. Para isso, é necessário voltar para Cambará do Sul e seguir por outra estrada de terra até o Parque Nacional da Serra Geral.
Muito mais amplo que o Itaimbezinho, o Fortaleza tem 7,5 km de comprimento e 900 metros de profundidade, além de impressionantes 2 km de largura em alguns pontos, com paredões que lembram grandes muralhas.
A partir do estacionamento, há um caminho curto e plano até a borda mais próxima do cânion, mas há também trilhas para quem quer acessar vistas ainda melhores. A do Mirante é bem popular, apesar de demandar um certo esforço, já que se trata de uma subida de quase 3,5 km.
No topo, é possível admirar a extensão do cânion, com toda a magnitude da natureza aos seus pés. É uma daquelas imagens que ficam para sempre na memória. Há ainda a Trilha da Pedra do Segredo e a da Borda Sul.
Independentemente do caminho escolhido, não esqueça de usar calçados confortáveis, roupas leves, boné ou chapéu e protetor solar. Leve também casaco e capa de chuva, pois o tempo pode mudar de repente.
Parque Nacional da Serra Geral
Em 2023, duas atrações foram inauguradas no Parque Nacional da Serra Geral. Destinadas a quem não tem medo de altura, proporcionam uma boa dose de emoção, além de vistas deslumbrantes para o Cânion Fortaleza.
Uma delas é o balanço infinito, partindo de uma plataforma suspensa. A segunda é a tirolesa, considerada a mais alta das Américas, cujo ponto inicial fica a cerca de 1.100 metros acima do nível do mar. Ela tem 720 metros de extensão e pode ser utilizada por até três pessoas simultaneamente. É necessário comprar um ingresso separadamente para cada atração, além da entrada no parque.
Mais passeios em Cambará do Sul
Cambará do Sul tem ainda vários estabelecimentos interessantes isolados entre seus extensos campos e colinas. Em questão de hospedagem, pousadas de inspiração rural são um convite ao detox digital, com simpáticos chalés de madeira e um resgate das tradições dos tropeiros. Já no centro da cidade, vale uma parada no Sabores da Querência, onde são vendidos deliciosos antepastos, geleias e sorvetes artesanais, feitos com frutas de produção própria.
Cachoeiras no Circuito das Águas
Os Campos de Cima da Serra vão muito além dos cânions. As cachoeiras, os rios e as cascatas do chamado Circuito das Águas, entre São Chico, Jaquirana e Cambará do Sul, são atrativos ainda pouco conhecidos por turistas de outros estados, mas que merecem mais atenção pelos cenários de extrema beleza natural. A aventura completa dura pelo menos cinco horas e tem que ser feita a bordo de um veículo 4×4.
Não só há longos trechos bem irregulares de estrada de terra, mas também é preciso atravessar rios com o carro. Por isso, é recomendado contratar um guia local, pois o condutor tem que saber bem por qual caminho é mais seguro passar e qual o nível da água que permite a travessia. Além disso, a sinalização local é escassa. Agências de turismo da região oferecem diariamente o roteiro, partindo tanto de São Chico quanto de Cambará do Sul.
Passo da Ilha, Passo do S e Cachoeira dos Venâncios
Três atrações compõem o circuito: Passo da Ilha, Passo do S e Cachoeira dos Venâncios. A partir de São Chico, são 40 km de asfalto mais 15 km de estrada de terra até a primeira parada, dentro do Parque Estadual do Tainhas. O Passo da Ilha é um trecho largo em que o rio se espalha sobre as rochas. A água é bem rasa e há cascatas pequenas.
O carro fica estacionado dentro do rio e o grupo pode sair para se refrescar nas águas cristalinas e curtir uma hidromassagem natural. No caminho que leva ao Passo da Ilha fica o Morro da Visão, que proporciona uma vista panorâmica desse trecho do Rio Tainhas. A subida a pé é íngreme, mas vale o esforço.
A próxima parada é o Passo do S, nome proveniente das curvas do caminho que é preciso percorrer para cruzar o rio nesse ponto. Ali há duas grandes cachoeiras lado a lado com várias quedas d’água, sendo que a maior chega a ter 20 metros de altura. Na parte superior há algumas piscinas naturais.
Depois, o roteiro leva à Cachoeira dos Venâncios. Como fica dentro de uma propriedade particular, é cobrada a entrada – porém, o valor por pessoa é baixo. São quatro cascatas de vários tamanhos ao longo do curso do rio, além de diversas piscinas naturais de diferentes profundidades. Não deixe de levar sua roupa de banho. O local também tem banheiro e mesas para piqueniques.
São Chico e o sossego da natureza
De Cambará do Sul até a tranquila São Francisco de Paula – mais conhecida como São Chico – são cerca de 70 km. Um trajeto de carro ainda mais curto, passando por uma estrada repleta de hortênsias, separa o lado mais badalado da Serra Gaúcha deste pequeno município: são cerca de 35 km a partir de Canela e 45 km de Gramado.
Entre araucárias e plátanos, São Chico oferece o sossego do interior. A cidade foi fundada no século XVIII, época em que era rota dos tropeiros que seguiam do Rio Grande do Sul para São Paulo. Diferente de outros municípios da Serra Gaúcha que tiveram grande influência de imigrantes europeus, São Chico guarda uma forte cultura gaúcha e as tradições da vida no campo.
O lago São Bernardo é o cartão-postal da cidade, cercado por uma imensidão verde, bancos e uma ciclovia de 2 km de extensão. Ali, não deixe de tirar uma foto ao lado do letreiro da cidade (que diz “eu amo São Chico”).
Na avenida principal, há um lugar que virou ponto turístico conhecido: a livraria miragem. Seu design é totalmente único, desde a disposição dos livros ao labirinto de madeira formado pelas estantes. Escadarias, mezaninos, peças antigas e um espaço dedicado à cultura dos tropeiros completam o visual. Anexo à livraria, há um charmoso restaurante e café, o Capitão Chaves Bistrô.
Hospitalidade rege a cidade
São Chico também se destaca pela hospitalidade de suas pequenas pousadas, cheias de charme e aconchego, seja as de clima romântico ou aquelas com um estilo mais rústico. Muitas delas, inclusive, guardam ainda boas surpresas gastronômicas em seus restaurantes. É o caso da cozinha do Parador Hampel, pousada centenária cuja gastronomia é assinada pelo chef Marcos Livi.
O cardápio de seu restaurante Cozinha na Terra, que também é aberto para não hóspedes, faz uso de muitos ingredientes locais e homenageia os diferentes povos que formaram o Sul do Brasil. Parte da associação Roteiros de Charme, a Pousada do Engenho é outra propriedade em São Chico que encanta logo à primeira vista.
Em um clima de romance, são apenas 15 cabanas, que vão se revelando aos poucos, pois foram erguidas em meio à mata, o que te dá a sensação de estar sozinho na natureza. Feitas em materiais naturais, as cabanas têm capacidade para duas pessoas cada e variam entre 60 m² e 170 m², mas com praticamente as mesmas comodidades, como banheira de hidromassagem, claraboia que permite ver o céu estrelado, lareira e varanda com rede.
Parque das 8 Cachoeiras
Quem quer ainda mais contato com a natureza em São Chico tem no Parque das 8 Cachoeiras uma escolha certeira. Área de preservação a poucos quilômetros do centro da cidade, o parque abriga, como o nome indica, oito belíssimas cachoeiras. O acesso é feito por trilhas que variam de tamanho e intensidade e é necessário pelo menos dois dias para percorrer todas. A entrada é paga.
Na mesma propriedade, há uma pousada com cabanas rústicas e uma área de camping. Ainda em São Chico, também vale conhecer o Matria Parque de Flores, o maior do tipo das Américas, com um acervo de nove milhões de flores em 30 jardins temáticos e encantadores.
Da cultura tibetana à aventura em Três Coroas
Aos pés da Serra Gaúcha, a cidade de Três Coroas muitas vezes passa despercebida por turistas que visitam a região, apesar de estar a menos de 30 km tanto de Gramado quanto de São Chico. Mas, depois de conhecer os atrativos que a cidade guarda, vai ficar difícil ignorar esse lugar tão especial. Rodeado por muito verde, o Centro Budista Chagdudgonpa
Khadroling é uma das joias de Três Coroas. Templos e monumentos de extrema beleza, com cores vivas e uma impressionante riqueza de detalhes, se abrem para inspiradoras paisagens da serra. Faça o passeio com calma, para contemplar a paz, a harmonia e a energia que emanam do local.
O Khadroling é um centro de prática do budismo tibetano, mas recebe de braços abertos pessoas de todas as crenças e proporciona uma grande imersão cultural independente de sua fé. Para quem chega com carros de passeio, a visita é gratuita e não precisa ser agendada.
Culinária regional
Para completar esse passeio tão especial, siga para o espaço Tibet, também em Três Coroas. Mais do que um restaurante tibetano, é uma experiência completa. Repleto de cores vivas e ornamentos delicados, o salão principal já dá o tom, com seu design tradicional tibetano e elementos budistas.
Os clientes são recebidos com um lindo jardim, uma xícara de chá e um cardápio que surpreende. Diferente do que muitos pensam, a culinária tibetana não é vegetariana. Há um profundo respeito por todos os alimentos; por isso, são usados tanto vegetais quanto carnes.
De receitas bem tradicionais a outras adaptadas com ingredientes brasileiros, os pratos trazem uma grata explosão de sabores e aromas. Destaque para os momos (trouxinhas recheadas e cozidas no vapor), o racha (pernil de cordeiro com molho agridoce) e as inusitadas sobremesas.
Prove também o pötcha, ou chá de manteiga do Tibet. O chef da casa é Ogyen Shak, tibetano refugiado que cruzou o Himalaia a pé em busca de liberdade – uma história que merece ser retratada em um filme de Hollywood e é contada no memorial anexo ao restaurante.
Junto com sua esposa, a brasileira Adriana, Ogyen abriu o restaurante em 2011. Sempre dispostos a ter uma boa conversa com os clientes, os dois difundem a cultura tibetana aos brasileiros através da gastronomia e da hospitalidade.
Esportes de aventura
Para além da cultura oriental, Três Coroas também é uma cidade famosa pelos esportes de aventura. Grupos percorrem as corredeiras do Rio Paranhana em atividades como rafting, flutuação e caiaque. O tempo do trajeto vai depender da operadora escolhida.
O Brasil Raft Park, por exemplo, tem uma base própria às margens do Paranhana, com uma estrutura turística completa. Além de um percurso de rafting de 8 km, o parque oferece tirolesa, canopy, rapel, paintball, quadriciclos e mais.
Por Patrícia Chemin – revista Qual Viagem
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