No dia 29 de novembro, Pelé, ex-jogador e ídolo do futebol, foi levado ao hospital pela mulher, Márcia Aoki, e por um cuidador após apresentar inchaço no corpo. Os médicos que cuidam do craque identificaram, além de uma insuficiência cardíaca descompensada, um quadro de anasarca (inchaço generalizado), uma síndrome edemigênica (edema generalizado).
A seguir, a Dra. Caroline Reigada, médica nefrologista, especialista em Medicina Interna pela Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e em Nefrologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, explica sobre a doença. Confira!
1. O que é síndrome edemigênica e como ela se inicia?
É um conjunto de sinais e sintomas caracterizado pelo excesso de líquido no corpo (edema), que pode ter origem em três principais órgãos: rim, coração e fígado. Quando o rim não funciona adequadamente como barreira para a perda de proteínas na urina, o corpo fica mais inchado, pois ocorre um desequilíbrio de pressões entre o vaso sanguíneo e o interstício (região externa ao vaso sanguíneo). Isso faz com que o líquido extravase para fora do vaso, acumulando-se nos tecidos da pele e do subcutâneo. É o famoso edema, que pode acometer até o rosto.
O fígado, por sua vez, é responsável pela produção das proteínas do corpo. Lembrando que essas mesmas proteínas, quando estão no sangue, são responsáveis por “segurar” a água dentro do vaso sanguíneo. Se o fígado está doente (por exemplo, na cirrose), pode haver extravasamento de líquidos e consequente edema.
O coração é o nosso órgão de bomba, ou seja, realiza uma força ejetora para levar sangue a todo o organismo. Quando ele está fraco (como é o caso da insuficiência cardíaca), mais sangue (e, portanto, mais líquido) fica represado nas veias e no pulmão, o que pode levar ao edema do pulmão (“água no pulmão”) e ao edema periférico (das pernas, da barriga e do fígado). Outras causas são alergias e problemas circulatórios. No caso da insuficiência venosa ou linfática, o edema geralmente fica circunscrito apenas aos membros inferiores.
2. É um problema raro ou de alta incidência?
Considerando que a síndrome pode advir de várias doenças, não é um problema raro. Por exemplo: a insuficiência cardíaca é uma das principais causas de mortalidade e morbidade no mundo. No Brasil, a sua prevalência é de aproximadamente 2 milhões de pacientes, e sua incidência é de aproximadamente 240.000 novos casos por ano.
A cirrose hepática e outras hepatites crônicas foram a décima maior causa de morte no país no ano de 2017, de acordo com o Ministério da Saúde. Considerando a doença renal crônica, que pode ser a causa de uma síndrome edemigênica, sabemos que ela causa pelo menos 2,4 milhões de mortes por ano, com uma taxa crescente de mortalidade. No Brasil, a estimativa é de que mais de 10 milhões de pessoas tenham a doença.
3. Que tipo de paciente é mais suscetível ao problema?
Pacientes que tenham risco de desenvolver doenças do coração, do fígado e do rim são os mais propensos a apresentar a síndrome edemigênica. Logo, são estes os maiores grupos de risco: idosos, diabéticos, hipertensos, obesos, portadores de dislipidemia, tabagistas, etilistas e portadores de doenças autoimunes.
A intoxicação por medicações levando a uma hepatite fulminante também pode ser a causa de uma síndrome edemigênica. O uso de anti-inflamatórios de forma exagerada é outra causa de tal condição, pois acarreta a inflamação renal e, então, o surgimento do edema generalizado.
4. De que forma ela pode levar à morte?
A sobrecarga de líquidos ao coração e ao pulmão, principalmente, pode ser fatal. Existem casos em que há também edema cerebral, condição grave e potencialmente fatal. O edema agudo de pulmão (água no pulmão) pode levar à insuficiência respiratória e à morte.
Além disso, a síndrome edemigênica facilita a infecção dos tecidos que ficam edemaciados. O tecido celular subcutâneo, a gordura abaixo da pele, pode, então, se infectar, o que chamamos paniculite, que pode evoluir para uma infecção generalizada.
5. Ela pode causar trombose?
Quando muito líquido extravasa para fora do vaso sanguíneo, o sangue que permanece dentro do vaso fica mais espesso e, portanto, há um aumento do risco de trombose.
6. Qual é o tratamento indicado?
O tratamento reúne o alívio do edema, que consiste, usualmente, na utilização de diuréticos e é preciso, também, focar a causa da síndrome. Doenças imunes são tratadas com imunossupressores. A forma grave de doença renal crônica ou da lesão renal aguda pode necessitar de diálise. A insuficiência cardíaca apresenta todo um arsenal terapêutico para o seu controle.
Doenças avançadas ou graves do rim, do coração e do fígado podem exigir um transplante. Devemos ter em mente que os casos importantes de edema, com falta de ar e cansaço, precisam de apoio do médico na emergência hospitalar. Não é adequado o paciente tomar diuréticos por conta, pois, além de não haver o reconhecimento da verdadeira causa do problema, existem muitos efeitos colaterais relacionados aos diuréticos.
Por Maria Claudia
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