Estou em Buenos Aires há uma semana. É segunda-feira, chove e faz frio. Em uma temporada prevista para 20 dias, hospedada na casa de parentes argentinos, minha agenda é minimamente turística. O único plano, hoje, além de escrever este texto, é caminhar três quadras até o Café Martinez e beber um cortado – “café com leite”. Um programa e tanto, pois no caminho vejo as casas, as pessoas, as árvores de plátano desfolhadas, em fila, aguardando a primavera para florescer.
Não é a minha estreia na capital portenha, mas, mesmo que fosse, duvido que tentaria cumprir um roteiro frenético de pontos turísticos. Houve um tempo em que me via correndo entre dezenas de atrações, querendo fazer uma cidade inteira caber em poucos dias de viagem. Com o tempo, percebi que, para desfrutar de verdade de um destino, é melhor trocar o “corre” pelo slow. E entrar no flow.
Por exemplo, fui ao Malba, para ver O Abaporu da Tarsila do Amaral, que integra o acervo permanente do Museu de Arte Latinoamericano. Mas foi um rolê não programado – do tipo: “Que tal ir lá agora?” –, o que torna tudo mais leve e divertido. Não é mesmo?
Viajar sem a ânsia de ir ticando listas é também uma forma de “viajar para dentro”. Uma oportunidade de andar sem pressa e usar o tempo para buscar, na troca com esse lugar e com as experiências que ele nos traz, um pouco de reflexão e até mesmo de cura.
Aumento de viagens slow
No mundo pós-pandêmico, parece que não estou sozinha nessa nova maneira de degustar um destino. Na era das mil e uma experiências, há quem volte para casa mais cansado do que saiu. Talvez, por essa razão, as viagens slow, ligadas ao bem-estar e ao autoconhecimento, têm se revelado uma tendência global.
É o que sinalizam pesquisas de três empresas referências em turismo: Booking, Expedia e Skyscanner. A investigação do Skyscanner mostrou que 46% dos viajantes gostariam de ir para lugares em que o foco é o bem-estar. As atividades citadas são ecléticas: colheita de frutas selvagens, retiros de silêncio, experiências com plantas de efeitos de relaxamento ou psicodélicos (sim, Cannabis, Ayahuasca e cogumelos, por exemplo).
Os dados da Booking, por sua vez, mostram que os viajantes querem algo que os tire da zona de conforto, como roteiros que tenham o mínimo para a sobrevivência, que incluem aprender habilidades como encontrar fontes de água limpa, acender uma fogueira ou buscar comida na floresta.
“Os destinos de natureza estão ganhando cada vez mais a preferência dos viajantes”, afirma Milena Maggi, sócia da boutique de viagens Original Miles, que oferece roteiros customizados. “São lugares que permitem um mix entre se reenergizar e descansar, como Patagônia, Atacama, Amazônia”, lista.
Imersão no coração da floresta
O Cristalino Lodge, em Alta Floresta (MT), é um dos lugares para quem busca uma imersão na Amazônia e dentro de si. O hotel, com apenas 18 bangalôs, fica em uma reserva natural, com mais de 600 espécies de aves e dezenas de trilhas mata adentro. De acordo com Alex Da Riva, proprietário e gestor do hotel, a alta biodiversidade da região atrai casais e famílias buscando essa conexão com o bioma.
Há hóspedes que preferem declinar de algumas atividades e se entregar apenas à contemplação. “A maioria busca uma experiência ativa, explorando a natureza a pé ou pelo rio. No entanto, notamos que o interesse em uma forma mais contemplativa de turismo está crescendo”, diz Alex.
A própria arquitetura do Cristalino inspira essa conexão. Os quartos não possuem vidros nas janelas, apenas telas, que propiciam o contato constante com os aromas e sons da vegetação circundante. “Observar a vida selvagem também é uma forma poderosa de autoconhecimento”, acredita Alex.
“No mundo moderno, muitos lutam para estar realmente presentes no momento. Se você conseguir prestar atenção ao que está ao seu redor, perceberá a abundância de vida que existe. Esse é um instante poderoso para refletir sobre a complexidade da existência, questionar suas escolhas e seu modo de viver”, filosofa.
Busca pelo bem-estar em meio a natureza
A oferta de programas e retiros de yoga, meditação e atividades de bem-estar tem sido generosa, tanto em espaços idealizados para esse fim quanto em hotéis tradicionais. Na guest house Casa Eleva, em Ubatuba (SP), as práticas acontecem em uma sala envidraçada, abraçada pela Mata Atlântica, a poucos passos da Praia do Félix. “Eleva a vibe, eleva aqui, eleva agora!”, diz a jornalista e instrutora de yoga Andressa del Mar, proprietária do espaço, traduzindo o conceito do lugar.
No Sul da Bahia, o Barracuda Hotel & Villas, em Itacaré, criou retiros temáticos, os chamados B. Retreats, com diferentes práticas de yoga, sessões de meditação, sound healing, energização com cristais, trilhas com banho de rio e de cachoeira. “Dependendo do ciclo da lua, fazemos um aperitivo de peixe grelhado na praia, sob o luar, ao lado de uma fogueira”, diz Juliana Guiotto, diretora do hotel.
Mas nada com regras rígidas. “Retiros podem trazer a ideia de horários, restrições. Organizamos tudo de forma que a pessoa desfrute da jornada de autocuidado, podendo cancelar ou remarcar as atividades”, diz ela.
Menos foto, mais flow
Honrar o seu ritmo, resistir às urgências, abrir-se para novas possibilidades. Eis o recado de Fernanda e Fabricio Cunha, um casal que aprendeu a viajar sem cartas marcadas. Ela, professora de yoga dance, ele, engenheiro e empreendedor com trabalho remoto, chegam a comprar passagem só de ida. “Foram muitas viagens com roteiro fixo. Com o tempo, percebemos que isso nos fazia ignorar as surpresas do lugar. Impedíamos que ele nos mostrasse o que tinha para oferecer”, recorda Fernanda.
Em cada viagem, tudo é flexível. “De repente, encontramos amigos e mudamos os planos. Sempre foi mais rico deixar esse espaço sem controle”, diz Fabricio. O estado de presença, para Fernanda, é o que mais conta. “Estamos todos viajando nesse corpo e nessa terra. Qual o nosso envolvimento? Estamos aqui só para tirar fotos e gravar vídeos ou nos conectar com o que cada lugar nos imprime?”, questiona ela.
A interação com a cultura e as pessoas do destino sempre foi vital nas viagens do casal, até mesmo quando eram “turistas de resort”. Com a pandemia, a dupla deixou São Paulo para morar na praia, em Ubatuba, e hoje se define como nômade no modo de viajar. “Deixamos de ter uma relação de turista, daquele que vai, visita e vai embora, para ter uma relação de peregrinação, permitindo que o destino se revele”, diz ela.
O principal é procurar entender como as pessoas locais pensam e vivem. “Me pergunto o que elas têm para me ensinar sobre mim que ainda não sei. Como podem me mostrar uma forma de viver que não a minha? Como turista, a gente via isso tudo de longe, tirava foto e ia embora. Agora queremos saber que somos parte integrante da paisagem enquanto estivemos ali”.
Duas viagens recentes mostram um pouco dessa dinâmica. No Japão, eles ficaram em casa de amigos que os levaram para uma surftrip, dormindo em um furgão na praia. Um convívio que facilitou a comunicação na segunda parte do tour, a dois, em Tóquio. Em Alto Paraíso, no vilarejo de Cavalcante, o aprendizado veio da conversa com moradores, nas refeições simples. “Ali, conhecemos a simplicidade, pessoas para quem ‘menos é mais’”, lembra Fernanda.
Caminito particular
Inspirada por Fernanda e Fabricio, volto ao meu não roteiro em Buenos Aires. Tem sido divertido conviver com uma família argentina animada e barulhenta, com adolescentes e crianças. Além disso, o descanso tem sido prioridade. Posso andar pelo bairro de Belgrano sem a preocupação de deixar passar alguma atração imperdível.
Buenos Aires é uma cidade superarborizada, cheia de praças e parques. Com os termômetros marcando entre 10 e 20 graus, o apetite aumenta, e uma das delícias é se aconchegarem pratos quentinhos, explorar parrillas e pizzarias que servem milanesas e empanadas. E os vinhos?! Uma maravilha à parte.
Entre malbecs e milongas, nesses momentos de pausa, sem o relógio ditando o ritmo, é quando a viagem se transforma em uma jornada de autodescoberta. É claro que viagens para retiros e yoga, silêncio e afins têm um poder naturalmente maior de proporcionar essa reflexão. Mas acredito que qualquer viagem, mesmo pertinho de casa, pode ser uma chance de se conhecer.
Viajar assim é um lembrete de que a vida não é uma corrida. Se vamos depressa demais, a paisagem vira só mais um borrão. Por isso, vou dando meus pulinhos um pouco mais longe de casa até o bairro descolado de Palermo, lotado de livrarias e cafés, encaixando uma ou outra atração ao sabor dos dias.
Espero o sol sair para iluminar as cores do Caminito, um cartão-postal que vale repetir. Terá um show do Escalandrum, banda instrumental do neto do Piazzolla em um clube de jazz de Palermo. Quem sabe?Enquanto isso, comprei um caderninho de capa roxa e vou anotando livremente o que acontece comigo: fora e dentro.
Por Rosane Queiroz – revista Vida Simples
Jornalista, cantora e viajante slow motion. Prefere encontrar consigo mesma na natureza a se perder em busca de pontos turísticos.
Fonte: Read More