Não existe unanimidade quando se fala de francesinha, o sanduíche que é a alma do Porto. Primeiro, porque ela conclama dois grupos em torno de si: os que amam e os que não conseguem entender quem é que gosta daquilo. Segundo, porque os adeptos do sanduíche são fervorosos sobre suas favoritas, capazes de vestir a camisa dos lugares que as servem como se fossem as dos times que levam no coração. Difícil numa mesma mesa haver consenso sobre onde se come a melhor na cidade portuguesa.
A francesinha, para quem não conhece, é uma sobreposição da desordem: camadas de pão, carne, embutidos, mais pão, depois queijo, e também um banho de molho picante para fazer tudo se manter mais desperto. Há, ainda, quem peça um ovo frito por cima da coisa toda, que é como o parafuso que dá mais charme à esse Frankenstein gastronômico. Não fosse pouco, geralmente vem acompanhada de fritas, que os veneradores espalham sobre o molho que se forma como uma piscina acobreada onde os palitos de batatas quentinhas podem nadar felizes.
São pequenas obras de engenharia civil, que requerem garfo e faca para atravessarem suas muitas camadas sem causar desabamentos. Conheço poucos sanduíches no mundo que exigem talheres para serem devorados — eles foram criados para serem consumidos com as mãos, o pão justamente a fazer as vezes de um aparato que nos permite comprimir e manusear tudo o que vem lá dentro em direção à boca.
A primeira vez que provei, torci um pouco o nariz. Não sei se foi o molho apimentado com excesso de cominho ou o conceito todo da coisa. Sorri para meu parceiro de mesa, um portuense boa gente que tinha feito o favor de passar em casa e me levar para comer a francesinha preferida dele em uma das cervejarias mais famosas da cidade.
Voltei a provar semanas depois, em outro restaurante. E após mais uns dias com a minha esposa em um mercado da cidade. Depois, virou hábito. Não foi amor à primeira garfada: aos poucos é que a francesinha me conquistou — tanto que editei uma revista só sobre ela. Conheci melhor a sua ironia (ela debocha de quem a leva a sério), fiquei intrigado pelo humor de seus sabores, me entreguei à toda a sua ambiguidade. Ela está longe de ser perfeita e é aí que reside todo o seu charme.
Mas o que mais me intriga é como ela consegue mexer com os brios de quem está nessa cidade. É um prato tradicional e popular, onipresente e inclusivo, que os portuenses realmente adoram e comem com frequência: nos dias de sol e de chuva, na comemoração da vitória do Porto FC e na derrota do Campeonato, para celebrar aniversário ou numa tarde de uma terça-feira de outono.
Francesinha é como o pastel dos paulistanos, o acarajé dos baianos. É aquilo que se come no Porto quando o que se quer é sentir pertencente a essa cidade que, como sua famosa receita, não tem rodeios, é cheia de arestas e picante na língua. Todo visitante que chega, seja de que latitude for, também sabe que tem que provar francesinha. “Francheseenha”, pedem sem jeito nos balcões meio por obrigação.
Mas quando comem (e gostam) passam a partilhar de um sentimento maior do que é ser, de fato, portuense, podem ter a prova de uma quase liturgia de fazer parte de uma irmandade ungida em molho ardido. Diante do absurdo que é a francesinha, Anthony Bourdain, o famoso chef e apresentador de TV, em uma das visitas à cidade, perguntou com sua distinta ironia: “Qual é a taxa de doenças coronárias nesse país?”. A verdade é que no Porto, Tony, a receita amada pelos portuenses não apenas entope artérias. Ela também enche os corações.
Está bem, parecia estranho terminar esse texto sem dizer qual a minha francesinha preferida da cidade. E é exatamente o que eu escolhi fazer. Mas na falta de partilhar com vocês a minha favorita (segredo que eu levarei ao túmulo!), deixo as dicas de muitas outras que eu como por aqui. A do Lado B (Rua de Passos Manuel, 190) pela constância. A do Santiago pela comodidade (há três casas na cidade, quase todas próximas à Praça dos Poveiros, por isso é mais fácil conseguir sentar). A do Cufra (Av. da Boavista, 2504) pelo molho com toque “amariscado”. A do Cifrão (Av. Rodrigues de Freitas, 123) porque é a mais próxima da minha casa. E a d’O Afonso (Rua da Torrinha, 219) para relembrar dos ídolos — Bourdain que esteve ali e Ayrton Senna, que está espalhado por todo o espaço.
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