Como nos lembra o célebre poema de Carlos Drummond de Andrade, há pedras no caminho. Isso quer dizer que muitas coisas em nossas vidas possuem densidade. Pesam. Mas aqui, em Vida Simples, acreditamos que, mesmo assim, elas podem ser conduzidas com leveza. Desde que a gente cultive a disposição sincera de não adicionar peso ao que possui carga própria e se abra para dialogar com as possibilidades.
Já percebeu que, quanto mais resistimos aos obstáculos, mais eles se solidificam? Na verdade, nós é que estamos colaborando para a resistência crescer dentro da gente. Então, nessa hora, um olhar ameno pode vir em nosso socorro, redimensionando a resposta ao que nos acontece.
“Levar a vida com leveza significa escolher uma forma menos preocupada e mais positiva em relação às situações e desafios que a vida apresenta. É sobre nutrir uma atitude de tranquilidade, flexibilidade e aceitação diante das circunstâncias, buscando o equilíbrio entre responsabilidades e bem-estar emocional”, afirma Luciana Pianaro, CEO e Publisher da Vida Simples.
Lições filosóficas para uma vida calma
A filosofia taoísta, que nos vê como parte de tudo o que é natureza, postula que a leveza está em cada fração do que existe. Depende de nós encontrá-la. Esse modo de enxergar a vida ensina a se ter calma e tranquilidade a todo momento, encarando os limites da existência como simples partes dela mesma.
“Cada desafio no caminho se transforma em oportunidade de superação e aprendizado. Isso torna nossa passagem leve e fluida”, sustenta Angela Soci, diretora da Sociedade Brasileira de Tai Chi Chuan e Cultura Oriental. O que nos afasta dessa compreensão e nos enrijece, ela pontua, é a falta de clareza sobre a transitoriedade de todas as coisas. “Estar presos a modos de pensar e agir fixos conduz a uma vida cheia de frustrações e sofrimento”, reitera.
Que fique claro: ser leve de maneira alguma equivale a ser superficial ou descolado da realidade. “Leveza é a capacidade de cultivar o discernimento, ponderar, observar, contactar nosso coração e agir da melhor forma naquele momento. Isso é respeito, amor-próprio, amor pela vida e pelo outro”, define Monica Guttmann, psicóloga, arteterapeuta e escritora.
O peso se dissipa
Sabemos que certos enredos e padrões são difíceis de se carregar. Alguns foram herdados de nossos familiares, outros nos caíram como chumbo a certa altura da jornada. Mas, como observa Monica, podemos ir muito além dessas cargas. Afinal, nossa alma traz em si sementes de renovação e propósito para que, com amor, força e luz, a gente descubra meios mais leves de se estar aqui. É aquela velha história: o coração conhece os melhores rumos para nós. “No centro, sentimos leveza quando lhe damos o tempo de entrar em vibração”, escreveu o terapeuta Bert Hellinger na obra No Centro Sentimos Leveza (Cultrix).
Excessivamente responsável desde pequena, Luciana Pianaro sempre se cobrou fazer tudo certo, o que a colocava num estado de alerta permanente para não errar. Só na maturidade ela se deu conta do fardo emocional que isso lhe trazia. “Eu sabia que precisava buscar leveza por uma questão de saúde mental. Ao me conscientizar e procurar ajuda, vim trilhando um caminho que construo até hoje, como líder, empresária e mãe. Leva tempo e é preciso sempre se lembrar do que nos levou para aquela tendência”, conta.
Tai Chi Chuan: prática milenar desperta o bem-estar
Um dos maiores aprendizados de Luciana foi conseguir rir de si mesma, ainda que esteja rodeada de problemas e desafios. Outro foi se acolher com compaixão e não se cobrar demais. Além do desejo de querer mudar, considera que levar a vida com brandura também envolve administrar o estresse e se concentrar em práticas que promovam bem-estar e crescimento pessoal.
O Tai Chi Chuan, por exemplo, conversa muito bem com a sutileza. Aliás, nessa prática milenar, ela se localiza nos membros superiores, como explica Angela Soci. “Temos de cultivar raízes seguras, por meio do fortalecimento de nossa base, os pés e as pernas. O contato com a terra em que pisamos deve ser firme e estável. Dessa forma, estabelecemos uma estrutura adequada para nos mover com tranquilidade, conscientes de cada passo dado”.
Não para aí. “O meio do corpo deve ser flexível, outra qualidade importantíssima para a conquista da leveza. A flexibilidade do corpo e a da mente devem ser cultivados constantemente e interagem para que cada ação que executamos seja adaptável à realidade em que nos encontramos”, complementa Angela.
A suavidade dos braços e a das mãos, que desenham no ar gestos de uma beleza encantadora, são a expressão final desse processo que permite a chamada “unificação da energia”. Cada movimento do corpo traduz essa estrutura completa e se expressa de forma harmoniosa e serena, mesmo durante um combate, pois não podemos esquecer que, apesar da delicadeza, o Tai Chi Chuan é uma arte marcial.
Harmonia não é utopia
Transpondo essa vivência para o dia a dia, concluímos quão importante é fundamentar nossa estrutura, cultivar nossas raízes, flexibilizar a mente e o corpo. “A leveza vai surgir como resultado desses fatores conjuntos e se expressar em gestos, palavras e até mesmo na tomada de decisões”, destaca Angela.
A arte também nos ajuda a amenizar as asperezas, nos convidando a estar presentes e a expressar o que nos visita no mais íntimo. Pois o que fica guardado dentro da gente, na imaginação ou no inconsciente, pode ganhar um peso significativo. Se assim for, isso transbordará de alguma maneira em nossa vida. Somatizações, autossabotagens ou atitudes que logo trazem arrependimento são as manifestações mais comuns. “É fundamental podermos olhar e expressar nossas imagens internas profundas. Esse é um canal poderosíssimo para elaborar, transformar e tornar as coisas mais leves”, garante Monica.
O reflexo positivo da boa comunicação em grupo
Aqui, em Vida Simples, a leveza tem lugar na comunicação aberta e rápida para resolver problemas. Procuramos definir o que é prioridade e o que pode esperar. Sabemos que tudo muda o tempo todo e que um plano feito semana passada pode não mais valer nesta, e tudo bem. Temos tarefas definidas, mas pedimos ajuda quando aperta.
E, se não soubermos de algo, vamos atrás para nos inteirar. Conversamos. Grandes decisões são informadas a todos. Acima de tudo, há muita disposição para o aprendizado, porque trabalhamos com propósito, unidos por uma causa comum. É fato: sentir-se parte de um grupo coeso e respeitoso deixa o dia a dia infinitamente mais leve e gratificante.
Por Raphaela de Campos Mello – revista Vida Simples
É jornalista e encontra lufadas de leveza quando se aquieta. Assim, fica mais fácil olhar em volta e enxergar a poesia contida nos gestos das pessoas, nos traços da natureza, nos sonhos que teimam em suavizar o horizonte.
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