Eu não acreditava mais nessa história de amor. A vida, de todo dia, faz isso com a gente. Colecionamos histórias tristes feito álbum de figurinha que nunca se completa. Frustração. Uma hora é uma traição, outra é o cara que parecia apaixonado e começa a te ignorar. Inícios e rompimentos. E, quando uma relação termina, tanta coisa acaba com ela… Acho que a principal delas é a esperança. Aquela de ter com quem compartilhar tempo de vida, prazer, carinho, dificuldades, ideias, sonhos.
O parágrafo que você acaba de ler faz parte de um texto que publiquei no Instagram. Tenho uma conta profissional, na qual prefiro colocar assuntos relacionados àquilo que faço. Mas, às vezes, uso como um espaço de desabafo, como um longo respiro no meio de uma tarde caótica.
Passei por três casamentos. Do terceiro, tenho dois filhos. E quando acabou, há três anos, me percebi em um lugar muito fundo. Em mim. Foi difícil voltar a me abrir para uma nova experiência. A gente se cansa de colecionar cicatrizes. Mas a terapeuta me convenceu. Topei. Há pouco mais de um ano e meio, tenho vivido um amor. Maduro. Em um dia de saudades dele, entre muito trabalho e preocupações, escrevi o tal texto. Faço isso para encontrar outras vozes. E foi isso o que aconteceu.
Recebi diversas mensagens de mulheres que, como eu, também carregam feridas de amores desfeitos. Uma delas dizia assim: “ler seus textos traz a esperança de amar novamente, mesmo em um mundo de relações tão fluidas, mesmo percebendo nos aplicativos de relacionamento um território árido”. Ao ler isso, pensei: qual o caminho para refazer um coração partido?
Aplicativos de relacionamento
Em uma cena da série Casamento à Moda Judaica, disponível na Netflix, a israelense Cindy resume bem o que acontece em um aplicativo de relacionamento: “Os aplicativos fazem parecer que você tem um catálogo de homens muito atraentes, mas digamos que dê um match em 100 caras… apenas 50 vão responder ou estarão disponíveis. Desses, uns 30 vão falar com você. Dos 30, apenas 15 vão continuar conversando. Dos 15, só dez irão te ligar para marcar um encontro. Dos dez, cinco vão mesmo sair com você. E, dos cinco, apenas dois vão ser o que você está procurando. No final, esses dois chegam a zero. É isso o que acontece”.
Fiquei rindo ao perceber o relatório matemático compilado por ela. A série, para quem se interessou, mostra a história de diferentes homens e mulheres que recorrem a uma casamenteira para achar um par.
Realidade dos encontros
Encontrar alguém nos aplicativos pode parecer às vezes cruel, às vezes divertido. Tudo depende do que se espera. Como Cindy mostra pelo seu cálculo informal, dá trabalho e é exaustivo. A verdade é que, na vida real, fora do ambiente digital, as coisas também são duras. Só que nos esquecemos disso.
Quantas saídas, conversas, são necessárias para termos um encontro? Nunca contei, mas também são muitas. Apostaria, inclusive, que a probabilidade de uma saída é menor no ambiente real do que no digital.
As pesquisadoras Geovana Veloso e Manuela Rocha, ambas do departamento de Empreendedorismo e Gestão da Universidade Federal Fluminense (UFF), desenvolveram um estudo, em 2021, sobre o padrão de comportamento nos aplicativos de relacionamento. Chegaram a resultados que me surpreenderam: 38,30% do total de pessoas estudadas iniciou um relacionamento amoroso com alguém que conheceram no aplicativo, apesar de 83,3% afirmarem que estão ali apenas por encontros casuais.
Relacionamentos profundos
Geovana e Manuela também acharam os dados curiosos e escreveram: “é perceptível que, mesmo não estando na busca de formar um par amoroso, os usuários acabam se relacionando de maneira profunda, por se sentirem confortáveis com outros usuários dos aplicativos a ponto de iniciarem uma relação duradoura”.
A conclusão do estudo: “percebemos que, mesmo sendo uma nova ferramenta, desenvolvida após a revolução tecnológica, os fenômenos que representam os propósitos, comportamentos e reflexões dessas pessoas assemelham-se a práticas primitivas, que se baseiam em trocas interpessoais, busca por novas experimentações e fazer parte de um coletivo”.
A saber, encontrei Marcos, meu namorado, em um aplicativo de relacionamento. E sei de outras pessoas com as quais aconteceu o mesmo. Então pode dar certo? Pode. Mas depende de algumas questões, que vão muito além da tecnologia.
Abre a porta, amor
Recorri a um terapeuta de casal, Stélios Sant’Anna Sdoukos, que estuda o amor e as relações, para entender o que nos leva a juntar os caquinhos e refazer a estrada em direção a um novo par. “O amor é uma necessidade natural. É ele que nos estrutura e ajuda a se desenvolver, nos orienta. Quanto mais fugimos dele, mais também nos distanciamos de nós. Nos nutrimos quando estamos abertos para isso”, me conta o especialista, que faz parte da The School of Life de São Paulo.
E segue: “vincular-se é depender, mas não aquela dependência que significa controle. E, sim, uma em que o outro é porto seguro para que eu possa explorar o mundo e as minhas próprias questões. Esse apoio faz com que a gente cresça, se conheça mais, aprenda a lidar melhor com nossos medos e desafios na vida. É muito desesperador precisar do(a) seu(sua) parceiro(a) e ele(a) não responder. A gente precisa um do outro. E é esse vínculo que nos ajuda a ter a sensação de segurança, de bem-estar, de várias coisas”.
É importante deixar claro que essa relação amorosa, a dois, da qual estamos conversando, é aquela saudável, onde não existe agressão física ou psicológica. Porque esse tipo de união tóxica é destrutiva para ambos.
Reações conectadas com a nossa história
Stélios me conta ainda que construímos nossas primeiras experiências de vínculos na infância – não poderia ser diferente. É nessa fase, a do “apego”, em que aprendemos a expressar as necessidades de formas variadas, e isso segue pela vida. Podemos perceber, assim, uma relação como algo muito bom, perigoso ou na qual não devemos confiar em ninguém.
Essas reações estão conectadas profundamente com a nossa história e dão as caras na interação com o par. Vale saber que existem formas de mudar isso. A terapia, individual ou de casal, ajuda demais na tomada de consciência dessas reações e a interagir de maneira mais aberta, com compaixão e crescimento para os dois. “Tudo pode ser alterado e corrigido. Para isso, é necessário ser mais vulnerável. Saber dar e receber numa relação é o efeito curativo”, completa Stélios.
A relação pode ser, assim, um processo de autocura para nossos medos e dores. Uma perspectiva bonita, mas que demanda entrega. E talvez essa seja a parte mais desafiadora.
Deixa entrar
Expor-se, afinal, sabendo colocar as vulnerabilidades na mesa, faz parte desse negócio chamado amor. Difícil, eu sei. Principalmente quando já fomos tão machucados. Tem um livro do filósofo Alain de Botton, O Curso do Amor (Intrínseca), de que gosto muito. Para mim, ajudou a entrar com menos ilusões nas relações.
Entre os vários trechos que grifei, está este aqui: “Deixamo-nos guiar pelo instinto de autopreservação. Forçamos o avanço, retaliamos quando atingidos, botamos a culpa nos outros, reprimimos questões desgarradas e nos prendemos a uma imagem lisonjeira do rumo tomado. Não nos resta muita alternativa senão estar implacavelmente do nosso próprio lado. Só nos raros momentos em que as estrelas brilham no céu e nada mais se espera de nós até o alvorecer é que podemos afrouxar o controle do ego, em prol de uma perspectiva mais honesta e menos limitada”.
Nesse caminho em busca de um amor, me dei conta de que expus minhas fragilidades algumas poucas vezes, abri a guarda em raros momentos e me decepcionei em quase todos. Não é mágico. É apenas uma busca como tantas que temos na nossa jornada, mas que acredito valer a pena. Uma hora, aconteceu. Sem expectativas. Marcamos o encontro para as oito da noite em uma lanchonete do bairro. Não havia glamour, mas histórias em comum naquele mesmo lugar. Levantamos apenas às quatro da madrugada após horas de conversa. Sintonia.
Amar de uma forma diferente
Lembro-me da primeira vez em que derramei litros de lágrimas em seu ombro, de tristeza e preocupação. Ele me permitiu que ficasse ali o tempo necessário. Em silêncio. Depois, conversamos. Eu, envergonhada, catando meus pedaços pelo chão. Ele atento a mim. Sendo casa, eterno porto seguro.
Três casamentos e dois filhos depois, estou me dando a oportunidade de amar de uma forma diferente. Com mais entrega, exposição e atenta ao meu ego. Ele também. Existe entre nós um território de segurança, no qual podemos ser quem somos, com nossa luz e sombra.
Como escrevi na última linha daquele post, com o qual iniciei este texto: “A vida de todo dia me fez acreditar nesta história de amor. Esperança”. Para mim. Para Marcos. Para você.
Por Ana Holanda – revista Vida Simples
Está aprendendo a ser casa para Marcos, em um exercício bonito no qual ambos crescem juntos.
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