Bárbara Barbosa cresceu escutando histórias sobre a sua família: os bisavós foram escravizados em uma fazenda, a avó trabalhou como empregada doméstica e o avô, como pedreiro. Seus pais foram os primeiros de suas famílias a acessar a universidade. “Desde o começo da minha vida, vejo pessoas negras crescendo, destacando-se e lutando pela própria dignidade e a de outras pessoas”, diz ela. “Isso formou meu caráter e fez com que eu tivesse cedo, a noção de que posso ocupar o espaço que eu desejar.”
Ver-se representada foi essencial para Bárbara alçar os próprios voos. Hoje, a socióloga integra a área de Justiça Racial e de Gênero da Oxfam, uma organização independente sem fins lucrativos, trabalhando para que mais pessoas historicamente excluídas passem a pertencer. “Desde os locais onde trabalhamos e circulamos no dia a dia até espaços políticos, muitas vezes olhamos para o lado e encontramos as mesmas pessoas”, diz ela. Nesse contexto, representatividade significa as pessoas negras, mais da metade da população, ocuparem essa mesma proporção em todos os lugares da sociedade, explica.
Nas últimas eleições, os poderes Legislativos e Executivo ganharam mais representantes negras, indígenas e LGBTQIA+. “Esse é um espaço ocupado geralmente por homens brancos que herdaram esses cargos lá no começo do Brasil”, lembra Bárbara, sobre a herança hegemônica que tem sido transformada nas urnas – e fora delas – para não deixar ninguém de fora.
Participação política dos povos indígenas
Em 2022, foram 164 candidaturas autodeclaradas indígenas e nove indígenas eleitos no Congresso Nacional. Avelin Buniacá Kambiwá, da aldeia Baixa da Alexandra, no alto sertão de Pernambuco, que atualmente mora em Belo Horizonte (MG), celebra o recorde histórico. “O avanço da representatividade dos povos indígenas na sociedade brasileira nos tirar daquele lugar do exotismo, do primitivo e do ser tutelado, mostrando que conhecemos nossos direitos, somos capazes de fazer a gestão dos nossos territórios, de nós mesmos e de nos representar sem interlocutores”, diz ela.
Socióloga, Avelin também é uma indígena na política: além de coordenar o comitê mineiro de apoio às causas indígenas, ela trabalha na Secretaria Municipal de Segurança Alimentar e Cidadania da Prefeitura de Belo Horizonte. “Quando ocupamos um lugar, é para trazer uma multidão de ancestrais e contemporâneas conosco”, diz. “Ser uma mulher indígena de pele preta morando fora do território quebra estereótipos e mostra que nós, indígenas, somos diversos. Somos mais de 360 povos que falam mais de 180 línguas”, observa.
Real inclusão
“A representatividade nos ensina que grupos diversos não são piores ou melhores, apenas diversos”, diz Avelin, acrescentando que valorizar a subjetividade e a identidade de grupos e pessoas é fundamental para construir um lugar onde todas as formas de existir são bem recebidas. “Conviver e respeitar o diferente é agregar valor, justamente quando o mundo todo tem pedido por novos valores de relação tanto uns com os outros quanto com o nosso ambiente, a nossa mãe terra.”
Avelin aponta para a necessidade de que a representatividade seja real, não se reduzindo a uma ou duas pessoas que simbolizam a diversidade em um ambiente homogêneo. “A sociedade se torna mais justa e ricamente diversa por meio de novos olhares de mundo, novas formas de estar e existir”, diz. “Várias formas de pensar trazem grande riqueza para a formação da identidade tanto individual quanto coletiva.”
A jornada por justiça é longa
Carine Roos, CEO e fundadora da Newa, consultoria de diversidade, equidade e inclusão, concorda. “Estudos apontam que, para que um grupo possa começar a ganhar voz em um espaço, é preciso que haja pelo menos 30% de pessoas daquele grupo ali”, cita. Segundo ela, a jornada por justiça é longa e os desequilíbrios na sociedade podem ser corrigidos com ações afirmativas dentro de organizações privadas e públicas, por exemplo. Mas é na inclusão que mora a chave para uma representatividade efetiva. “A inclusão parte de um lugar onde eu me sinto confortável para ser quem sou na minha essência”, explica.
Para criar um ambiente seguro para negros, indígenas, LGBTQIA+, pessoas com deficiência, refugiados, idosos, pessoas gordas, mães e outros espectros da diversidade social, Carine defende o desenvolvimento de políticas antidiscriminatórias. “Podemos desenvolver capacitações para permitir que as pessoas se sintam conectadas, pertencentes e possam, de fato, se expressar nesses espaços”, sinaliza.
Ações cotidianas
É possível também exercitar um olhar mais atento para a representatividade no dia a dia. O primeiro passo é tomar consciência sobre si mesmo e a sua origem. Depois, é preciso sair da própria bolha, percebendo o contexto ao redor. “Precisamos estar em contato com outras realidades para nos reconhecer como privilegiados e ajudar pessoas em outras realidades sociais.”
Já Bárbara reforça a necessidade de desenvolver o pensamento crítico no dia a dia. No plano individual, podemos exercer uma maior responsabilidade social desde a forma como nos comunicamos e as mensagens que transmitimos até em quem votamos, priorizando representantes diversos que lutem por maior inclusão social.
“Podemos buscar um repertório mais diverso: quem a gente lê, ouve, cita, compartilhar? Quanto mais pessoas diversas tiverem o seu trabalho, pensamento e falas divulgadas, melhor fica a qualidade daquilo que estamos discutindo no país.” A hora para criar uma sociedade mais diversa é já. Vamos?
Por Martina Medina – revista Vida Simples
É jornalista e busca entrevistar pessoas diversas em suas reportagens.
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