Certa vez, em silêncio, durante uma trilha em mata fechada na Serra da Mantiqueira, passei ao lado de uma árvore e, imediatamente, senti uma profunda tristeza. Olhei para ela e, sem pensar, disse que havia algo de errado com aquele ser. Meu parceiro de caminhada estranhou e pediu que eu apressasse o passo. Tínhamos pouco tempo antes do anoitecer. Minutos depois, ainda perto dali, ouvimos um estrondo na mata. Era ela, pensei. A árvore. Corri de volta e, então, meus olhos apenas viram o que o coração já havia sentido. A árvore no chão.
Às vezes, por descuido ou conveniência, esquecemos que somos parte da natureza. E que o que acontece a ela nos afeta, de alguma maneira, em algum instante. De modos distintos, inesperados e inexplicáveis até, estamos constantemente conectados à grande teia do mundo natural. Porque até quando a sintonia não é consciente ou quando parece nem existir, ela não deixa de ser. De um jeito ou de outro.
Abrir novos olhares para essa relação pode revelar poderosas descobertas a respeito do funcionamento da natureza. Isso inclui perceber mais não somente sobre o clima, os animais, os vegetais, os rios e as montanhas, mas também sobre nós mesmos e nossa urgência de restabelecer a harmonia nessa interação. E há diversas maneiras de fazer esse bonito caminho de reconexão.
A relação do homem com a natureza
O escritor e engenheiro florestal alemão Peter Wohlleben sugere algo interessante no livro A Sabedoria Secreta da Natureza (editora Sextante), lançado este ano por aqui. Sua ideia é que conhecer histórias curiosas sobre as fantásticas relações ecossistêmicas envolvendo diferentes seres e fenômenos naturais gera mais efeitos sobre nós do que ouvir discursos impessoais e explicações meramente técnicas.
Observando a natureza e guiando grupos em passeios por florestas há décadas, ele aprendeu na prática ser mais importante os visitantes compreenderem seus comentários em um nível emocional. “Só então posso guiá-las por um passeio sensorial completo pela natureza, porque é assim que comunico a parte mais importante: a alegria que todas as criaturas e seus segredos podem nos oferecer”, ele escreve.
Por isso, o livro é um compilado de evidências científicas sobre essa sabedoria exuberante da natureza (talvez não tão secreta assim), escritas de maneira suave, com entusiasmo, mas também com um alerta sobre os limites das nossas ações sobre essa engrenagem sutil. Peter conta, por exemplo, sobre como o extermínio dos lobos no Parque Nacional de Yellowstone, nos EUA, nos anos 1920, acabou por alterar o curso de um rio – tantos foram os efeitos em cascata que ocorreram a partir da alteração de apenas um elemento daquele ecossistema.
O que o dinamismo da natureza ensina aos homens?
Nessa rede complexa de relações interconectadas, aprendemos que o equilíbrio é dinâmico. Para mantê-lo, a natureza está sempre em movimento, ajustando cada peça com arranjos finos e altamente organizados, que são, em última instância, imprevisíveis. E, ainda que sejam também invisíveis para nós, são essas interações entre rios e animais, entre florestas e chuvas que mantêm o delicado e complexo funcionamento da natureza – pelo menos até os humanos impactarem drasticamente essa orquestra. Será mesmo?
“Quando os humanos começaram a querer controlar a natureza, aparentemente vimos esse controle. Mas, ainda assim, a natureza continua a mesma, funcionando de maneira muito dinâmica e imprevisível, metamorfoseando-se o tempo todo”, diz a bióloga e educadora naturalista Rita Mendonça, fundadora do Instituto Romã de educação e vivências com a natureza e professora da Escola Schumacher Brasil.
Fundamentalmente, o que as histórias de Peter revelam é que essa sabedoria da natureza vai muito além da nossa capacidade de controlá-la. Você sabia que as tempestades de areia do Deserto do Saara atravessam o Oceano Atlântico todos os anos e fertilizam o solo arrasado pelas queimadas na região amazônica? Isso não é incrível?
Compreender a natureza significa engajar-se com a vida
Há muito com que se encantar em nosso planeta. Quer mais um exemplo? Veja só a relação entre salmões e árvores, também descrita no livro: estudos mostram que o crescimento das árvores pode ser quase completamente dependente desses peixes, especialmente em regiões com solo pouco fértil. Por que isso acontece? Porque os salmões e a maneira como são devorados por ursos (que deixam restos na água, nas pedras e nas beiras dos rios) têm um papel importante, no fim das contas, na distribuição de nutrientes ao solo onde crescem – ou não – as árvores.
Essa dinâmica, se fosse uma fábula, teria ainda outros tantos personagens e enredos, de fungos e folhas caídas a troncos apodrecidos e um exército de organismos fazendo uma limpeza e abrindo caminho para a absorção dos elixires da vida por meio da terra e das raízes. Mas como podemos perceber isso tudo? A educadora Rita Mendonça diz que conhecimento gera reverência, e reverência gera mais vontade de conhecimento. E há aqui um detalhe importante:
“Todo mundo produz conhecimento o tempo todo, a partir de suas experiências. Só que o conhecimento que vem da lógica abstrata nos torna desengajados do mundo vivo. Para nos engajarmos com a vida, com a natureza, é preciso olhar, ouvir, cheirar, saborear, dedicar atenção, observar, desenvolver nossa intuição”, comenta. O filósofo Heráclito, diz Rita, afirmava que “a natureza ama ocultar-se”. “Já Goethe fala que não tem segredo nenhum, a natureza não tem véu, está totalmente exposta para nós, mas precisamos olhar com os olhos que veem esse esplendor”.
Texto originalmente publicado na Revista Vida Simples (Edição 248).
Por Giuliana Capello
Jornalista e ecofeminista. Considera-se uma profunda reverenciadora de cada detalhe da natureza.
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