“Mãe, respira. Puxa o ar pelo nariz, segura um pouco, agora solta. De-va-gar”. Minha mãe não percebe quando está entrando em uma crise de ansiedade. A respiração dela simplesmente acelera, começa a ficar irritada, sem alternativa para a questão. Quando estou por perto, toco em seus ombros e procuro trazer seu fôlego de volta, reconectando-a com um ritmo mais tranquilo de inspiração e expiração.
Citei minha mãe, mas a frase poderia começar com “caro você, respire”, pois há um contingente expressivo de pessoas que sofrem do mesmo mal. O último levantamento da Organização Mundial da Saúde (OMS) contou 264 milhões de pessoas afetadas pelo transtorno no planeta. Quanto ao Brasil? Estamos no topo do ranking: 9,3% da nossa população vive com o distúrbio; três vezes mais que a média global, de 3,5%.
Medos e incertezas aumentaram o quadro de ansiedade
A pandemia do novo coronavírus turbinou o cenário e elevou em 25% os casos de ansiedade e depressão. Frente a uma doença súbita com risco imediato sobre a vida, era de se esperar que as pessoas sentissem medo. Só que não parou aí. Uma guerra começou na Ucrânia, e o noticiário nos bombardeia diariamente com dados sobre a fome, a corrupção, a inflação.
Não fosse apenas o inóspito ambiente externo, as questões pessoais – vou sobreviver a tanta incerteza? – e a ilusão de que há uma felicidade permitida apenas para poucos felizardos, martelada pelas redes sociais, criam a tempestade perfeita para um ser ansioso.
Os agravantes do nosso país
O Brasil tem outros agravantes. Aqui prevalece uma insegurança social, política e econômica brutal. Viver nessa latitude-longitude, em tempos de pandemia, é um desafio e tanto à sanidade. Sem meias-palavras, o Estado deveria oferecer medidas de proteção à pessoa.
“Quando falta o amparo, a criminalidade tende a crescer, a violência se espalha, e as pessoas ficam inimigas entre si. O próximo não é mais próximo. Ele é uma ameaça, e o medo transborda”, detalha a psicóloga e psicanalista Patricia Bader, gestora do núcleo Pró-Creare e coordenadora de psicologia da Rede D’Or São Paulo.
O que pode causar a ansiedade?
De causa indefinida – fatores hereditários, ambientais e uma química no cérebro podem contribuir –, mas com muitos gatilhos. É o que se sabe sobre essa escalada de antecipações mentais que beira um sequestro emocional.
A notícia de um almoço inesperado para a família e a mera mudança na rotina podem assaltar a paz de alguns – como minha mãe. A falta de dinheiro em casa, a desmotivação no trabalho, a quantidade de informações divulgadas por hora nas mídias digitais e a desigualdade certamente roubam a serenidade de outros.
O ponto em comum entre todos os preocupados crônicos é sentir-se ameaçado e hiper-reagir ao risco. “A pessoa fica à mercê de uma preocupação excessiva e constante de que algo ruim vai acontecer e é incapaz de relaxar”, esclarece o biólogo Ricardo Monezi, especialista em medicina do comportamento da Universidade Federal de São Paulo. Essa é a armadilha do modo ansioso: você entra e não consegue sair. Toda ansiedade deve ser castigada, então? De forma alguma. Ela faz parte da natureza humana. E vem no nosso kit de sobrevivência há centenas de milhares de anos.
Uma dose, ok. Em exagero, não
Pense em uma espécie de aparelhamento interno que nos prepara para lidar com as ameaças da vida. A ansiedade aguça os sentidos e permite agir rápido quando um problema se apresenta. Na verdade, a tarefa dessa “vigilância” é detectar perigos potenciais antes que eles aconteçam e apontar soluções preventivas.
“Do ponto de vista biológico, nada melhor. A ansiedade põe uma pressão positiva em nosso sistema de defesa e ele fica mais ajustado”, explica Monezi. Acontece o seguinte: a ansiedade entra pelos órgãos do sentido (algo que você vê, ouve, toca, intui…) e é processada no córtex pré-frontal, região mais evoluída do cérebro. Ali, a informação começa ser decodificada. Com base no histórico da pessoa, o cérebro analisa o estímulo e coloca um rótulo – “é ou não fonte de grande preocupação”. Se for algo de alta ansiedade para aquele indivíduo, imediatamente outras estruturas neurológicas entram em ação liberando três hormônios: adrenalina, noradrenalina e cortisol.
1. Adrenalina
“A adrenalina aumenta os batimentos cardíacos e, consequentemente, a frequência respiratória (lembre-se que a ideia é lutar ou fugir). Por isso, a respiração encurta”, explica o biólogo. Ao mesmo tempo, aumenta o fluxo de sangue para os músculos e para o cérebro, alimentando todas as estruturas envolvidas no pensamento (afinal, precisamos encontrar uma solução para o problema que se apresenta, certo?).
2. Noradrenalina
No fígado, o metabolismo se inverte, e todo açúcar previamente armazenado para uma hora de necessidade é liberado. Precisamos de mais energia. “A noradrenalina vem dar um reforço a esses efeitos”, continua Monezi, “adicionando um ingrediente apimentado: a agressividade. Se o organismo tiver de partir para a luta, é agora. Por isso, há pessoas que explodem de raiva diante de uma ameaça”.
3. Cortisol
Por último, o cortisol, o terceiro da cascata hormonal, aumenta a pressão. Faz de tudo para a pessoa ficar em alerta, hiperestimulando todos os sentidos (o barulho de uma agulha caindo no chão pode causar um grande desconforto!) e bloqueando áreas cerebrais que regulam o sono. Entendeu a insônia?
Mecanismo vital
No início da evolução humana, todo esse aparato avisava que era hora de lutar ou fugir porque um predador estava chegando. Sem ele, teríamos sido comidos pelos leões. Hoje, as mesmas reações fisiológicas são acionadas, mas para lidar com as adversidades (boas e más) do século 21: uma entrevista de trabalho, um problema financeiro, uma viagem para lugar desconhecido, um novo encontro. Tudo isso exige que a gente saia da zona de conforto para desenvolver uma estratégia de superação.
Até aqui, mais do que desejável, um mecanismo vital. Ainda que às custas de noites de sono. O anormal é a ansiedade que se agiganta tornando difícil qualquer resposta produtiva. Em vez de nos mover para um next level, como seria de se esperar, a descarga hormonal em excesso paralisa.
Para não se deixar levar
No longo prazo, tanto alerta do cortisol desgasta o organismo e reduz nossa capacidade de defesa em todos os níveis. Pode dar um branco na hora da prova, pode derrubar a imunidade (já percebeu como as pessoas muito preocupadas acabam tendo mais infecções de repetição, como gripes, dermatites, psoríase?), desencadear um ataque de ira, de pânico.
Coração disparado, suor frio e a sensação de morte iminente caracterizam esse último quadro. Um medo sem razão que vai crescendo, crescendo, crescendo como um tsunami assustador prestes a inundar você. Quando o pico da ansiedade chega a esse nível, é necessário procurar ajuda profissional. Porém, na maioria dos outros casos, é possível fazer as pazes com a ansiedade antes desse extremo e, desse modo, aprender recursos que ajudam a manter o nariz fora d’água se o mar se agitar demais.
Ninguém vai se afogar. “O primeiro passo é a autoconsciência, pegar os episódios preocupantes o mais perto do início possível – o ideal seria tão logo ou pouco depois que a passageira imagem catastrófica dispara o ciclo de preocupações”, ensina o psicólogo Daniel Goleman em Inteligência Emocional (ed. Objetiva).
A respiração é uma âncora
Para cessar a espiral de preocupações, é necessário parar por um minuto e, assim, recorrer à ferramenta mais eficaz quando se trata de estabilizar a desordem interna: o oxigênio. “A ansiedade deixa tudo numa fervura; quando você respira pausada e profundamente, traz frescura. Ventila os pulmões e as ideias”, diz Ricardo Monezi.
A professora de ioga Thais Barbeiro, do Yôga and Meditation Center, em São Paulo, ensina a interromper o looping ansioso com uma respiração extremamente simples e eficaz. É a respiração quadrada, uma série de quatro movimentos com duração de 4 segundos cada um.
“Comece inspirando e contando até quatro. Com os pulmões cheios, segure o ar contando novamente até quatro. Solte o ar devagar contando até quatro mais uma vez, esvaziando completamente os pulmões. Com os pulmões vazios, faça uma pausa contando até 4 pela última vez”. Repita o processo: quatro segundos para inspirar, quatro retendo os pulmões cheios, quatro para expirar e quatro sem ar nos pulmões.
O agora é o que importa
Uma das técnicas que mais ajudam a pousar a mente no aqui e agora é a meditação, mas tudo bem se você não se dá bem com a atenção plena (mindfulness) e a yoga. A caminhada, a dança, o spinning ou qualquer outra atividade física prazerosa ajuda a tirar o foco da mente e a dissipar o ciclo vicioso das preocupações. Na esfera fisiológica, quando a gente se exercita, ainda estimula a produção de substâncias que ajudam a relaxar, trazem bem-estar e melhoram o humor, como endorfina e serotonina.
Os preocupados crônicos também precisam tomar o que Daniel Goleman chama de uma postura ativa para questionar os pensamentos negativos. Uma das características das perturbações ansiosas é que parecem imunes à razão. Pergunte-se, então: quão provável é que o mais temido dos medos aconteça? “A combinação de auto-observação e saudável ceticismo atuaria como freio na ativação neural por trás da ansiedade”, detalha Goleman.
É como se a geração ativa desse questionamento desarticulasse o círculo vicioso da preocupação/ansiedade. O cérebro precisa responder à sua pergunta em vez de simplesmente agir como de costume. “Quando se deixa uma preocupação repetir-se sempre e sempre, ela adquire poder de persuasão; contestá-la pensando numa gama de pontos de vista igualmente plausíveis impede o pensamento preocupado único de ser ingenuamente tomado como verdadeiro”, complementa o pai da inteligência emocional.
Importância de colocar o sentimento para fora
Ainda no quesito informação contra o mal, Patricia defende que nomear o que se sente, do jeito possível, é outro recurso importante para deixar a preocupação sair. Em vez de ficar estocando angústias que podem vir à tona com força e desastre, dê espaço para a fala. “Ao colocar o pensamento para fora, ele é dimensionado e vira algo possível de se lidar”, esclarece.
Em jargão psicanalítico, diz-se que “a palavra mata a coisa”. Isso é válido especialmente para pessoas que enfrentam uma ansiedade muito grande frente ao câncer. “É normal que a família silencie esse paciente quando ele diz que tem medo de morrer. O correto seria ouvir as inquietações dele. Só assim é possível entender o que se passa com a pessoa para, então, buscar informações que possam adequar e até melhorar essa percepção”.
Paciência e gentileza consigo
“O ansioso não sabe, mas seu sofrimento passa pela ilusão de que não pode perder tempo. Então, ele lota a agenda e sobrepõe tarefas. Está no carro dirigindo e fazendo uma call. Está na academia ouvindo uma palestra do TED. Se pudesse, tomaria banho enquanto resolve a lista de supermercado”, ilustra a profissional. O problema dessa ideia é que ela é uma mentira. A vida é um grande inesperado, e precisamos aprender a lidar com ele.
“Vamos supor que você tenha dois compromissos importantes na mesma hora. Quando você reconhece a impossibilidade de executá-los, porque um é em São Paulo, outro no Japão, digamos, você ganha potência para decidir em qual deles estará presente. Quando você não reconhece o impossível, se reconhece impotente. Afinal, não será capaz de fazer os dois”.
Essa flexibilidade nos leva à próxima dica: fazer uma coisa de cada vez. Em uma emergência ansiosa, quando os sentimentos e os pensamentos ficam caoticamente uns sobre os outros, numa complexidade aparentemente insolúvel, lembre-se do jogo de varetas. Remova uma a uma das “peças” no seu tempo, com o seu talento. Caso esbarre onde não devia e a pilha desmoronar, paciência.
“Ser humano é um exercício constante de melhorar a si mesmo”, recorda Patricia. Somos curiosos, criamos hipóteses, e essa potência psíquica criativa nos salva. Na dúvida, garantir o suprimento de oxigênio e de carinho para si já ajuda a apertar o modo pausa.
Texto originalmente publicado na revista Vida Simples (Edição 246)
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