Por um longo período, me achei no direito de controlar as situações para que acontecessem conforme o meu script ideal. Tudo tinha um roteiro e não aceitava que ninguém palpitasse em alguma cena planejada por mim. Afinal, quem mais poderia compreender as nuances da trama que eu mesmo tinha elaborado?
Acontece que me enganava constantemente acreditando que a vida permitia ser controlada, como se fosse possível conter o fluxo de um rio com as minhas mãos. Era eu, na verdade, um personagem preso em suas próprias amarras, uma panela de pressão com uma tampa apertada sobre a cabeça, fumaçando e prestes a explodir a qualquer momento.
A importância de saber lidar com imprevistos
Qualquer coisinha que saísse do controle me deixava nervoso, especialmente se envolvesse algo pelo qual aguardava havia bastante tempo. Uma fila mais longa do que o comum, um pneu furado, um ônibus atrasado, uma chuva não prevista e lá estava eu tenso, fazendo “tempestade em copo d’água”, expressão popular que descreve a tendência de algumas pessoas em dramatizar situações aparentemente triviais.
Claro que, a princípio, meu drama não poderia ser considerado um drama. Eu tinha toda razão de me exaltar, de ficar zangado com a vida, com os deuses e com o Universo. Mas será mesmo que tinha? Será que eu não estava exagerando?
É inegável que todos nós enfrentamos momentos em que as pressões do dia a dia nos levam a reagir de maneira desproporcional a eventos aparentemente insignificantes. Por outro lado, há situações em que a expressão intensa de emoções é totalmente justificada.
É preciso entender os sentimentos
Em um mundo que muitas vezes pressiona pela contenção emocional, é crucial reconhecer que as pessoas têm o direito de expressar suas preocupações, medos e frustrações. Negar esse espaço pode levar a um acúmulo prejudicial de emoções, afetando não apenas o bem-estar individual, mas também as relações interpessoais.
Mas, se, diante dessa multiplicidade de coisas, somos nós que atribuímos sentido e peso aos acontecimentos, como entender quando estamos de “mimimi” e quando realmente temos razão em nos exaltar? A chave principal para chegar a essa resposta pode ser a autorresponsabilidade. É no que acredita a terapeuta holística Emily Mallorca Wagner.
De acordo com ela, a autorresponsabilidade é um dos fatores mais importantes em nossa caminhada do autoconhecimento e do reconhecimento das nossas dores, traumas e vivências, bem como da ótica pela qual nós fomos ensinados a ver o mundo.
“Ela nos faz perceber o quanto é que realmente o que estou sentindo agora tem a ver com o outro ou tem a ver comigo mesma, porque, no fim das contas, é tudo sobre a gente mesma, sobre as nossas dores, as nossas questões. Mas e o outro? Ele está servindo para que o seu gatilho seja acionado, para que você possa olhar para aquela dor e ressignificá-la”, esclarece.
O autoconhecimento nos mostra outras perspectivas
Como adultos, somos, em teoria, capazes de administrar as nossas emoções. No entanto, o processo do autoconhecimento é por tantas vezes nebuloso, necessitando que alguém pegue a nossa mão e vá nos mostrando um caminho até percebermos o que faz ou não faz sentido em determinado movimento.
“Com o autoconhecimento, o indivíduo tem a oportunidade de ter acesso a outras perspectivas, podendo verificar consigo mesmo se os seus desconfortos estão compatíveis com o que está acontecendo, sendo capaz de lidar melhor com problemas e desafios que lhe são apresentados, tendo uma visão mais precisa da sua realidade atual”, acrescenta a psicóloga clínica Adriana Miranda Tokunaga.
Não se compare com os outros
O primeiro passo para desenvolver a autorresponsabilidade é a gente perceber que a nossa realidade não é a realidade do outro. Emily destaca que tendemos a tomar como verdade aquilo que fomos ensinados, mas, mesmo que gere uma resistência, é importante expandir os nossos horizontes, percebendo que existe um mundo de possibilidades fora da nossa moldura. Ou seja, soltar o falso controle da vida.
“Quando entramos no controle da situação, queremos manipular e ficamos focados somente no que estamos sentindo. E, às vezes, assumimos a posição do vitimismo. Quando percebemos as demais realidades, saímos desse movimento do narcisismo, do coitadismo e do maniqueísmo também”, enfatiza a terapeuta.
A importância da empatia no convívio social
É claro que, à medida que aceitamos e assumimos que estamos dentro de um contexto que é muito maior, podemos, por vezes, nos sentir desnorteados ou até mesmo perdidos. Praticar o respeito por nós mesmos é o que devemos fazer nesse momento. Tão importante igualmente é cultivar a empatia e compreender que, por trás de uma aparente reação exagerada, pode estar um indivíduo lidando com desafios mais profundos e complexos.
“Nos tempos atuais, vivemos em uma constante corrida para dar conta de tudo a que nos propomos fazer. Para se adaptar, nossa mente trabalha incessantemente para tentar acomodar nossos desconfortos, na tentativa de nos regular. Porém, com a sobrecarga de informações e a velocidade em que tudo acontece, não temos tempo de desenvolver novos recursos para lidar com tais incômodos, o que nos coloca em um lugar de autocobrança e desmotivação, que pode desencadear doenças físicas e mentais”, complementa a psicóloga.
É preciso respeitas as emoções das crianças
Tal como fazemos com nós mesmos, muitos adultos e educadores se veem prontos a recriminar certos comportamentos dos pequenos, rotulando-os como “apenas drama”. Essa atitude, no entanto, é mais prejudicial do que construtiva, pois, na maioria das vezes, reflete uma falta de acolhimento e segurança para que as crianças possam expressar suas emoções de maneira saudável, compreendendo que todos nós estamos sujeitos às marés interiores.
Ao rotular as ações delas de tal forma, os adultos correm o risco de subestimar a complexidade das emoções infantis, não oferecendo espaço para que essas pequenas almas em desenvolvimento expressem suas alegrias, medos, frustrações e descobertas de maneira autêntica. O que, aliás, é uma parte crucial do processo de educação e criação de seres humanos equilibrados.
Eliane Candido, psicóloga clínica de abordagem psicanalista winnicottiana e voltada ao acolhimento de crianças e adolescentes, ressalta que elas expressam suas emoções e pulsões de muitas formas diferentes, tendo em vista que ainda não possuem nenhum tipo de censura ou repressão, estando em busca do princípio do prazer. E, por estarem em processo de formação de suas personalidades, elas irão se expressar por meio da impulsividade.
“Todos os seres humanos estão em desenvolvimento e expostos ao drama, como também ao ambiente que nos cerca e à maneira como ele se apresenta a nós. É fundamental permitir que o ser se expresse da melhor forma que lhe é possível e também aqueles próximos à criança acolherem essas emoções e impulsos, oferecendo segurança e confiança para ela”, orienta Eliane.
Evite se culpar
A advertência para não cair no papel de vítima é um chamado para assumir a responsabilidade por nossas escolhas e experiências. Em vez de nos perder na narrativa de que somos meras vítimas das circunstâncias, somos desafiados a assumir o comando e aprender com cada desafio. A leveza reside na capacidade de transformar obstáculos em oportunidades de crescimento.
Ao mesmo tempo, o alerta contra o narcisismo nos lembra da importância de manter a humildade no processo de autoexploração. O autoconhecimento não deve ser uma jornada egocêntrica que alimenta ilusão da perfeição, mas sim um mergulho honesto nas complexidades do eu.
Encontrar a leveza nesse contexto implica aceitar nossas imperfeições, aprender com nossos erros e cultivar uma compreensão compassiva de nós mesmos. Se assim for, evitamos as armadilhas do vitimismo e do narcisismo, abrindo espaço para uma jornada de autodescoberta que nutre a alma, proporcionando clareza e aceitação.
Equilíbrio emocional
Portanto, na linha tênue entre fazer tempestade em copo d’água e ter razão em se exaltar, fique no caminho do meio para ganhar maior consciência de seu funcionamento emocional, justamente para saber quando está tendo reações exageradas ou quando o outro de fato foi inadequado e o machucou.
Mesmo assim, haverá momentos em que novamente faremos drama, tentando ganhar mais cuidado em ocasiões de maior fragilidade. Se isso acontecer, não se culpe. Opte por se analisar com rapidez e se libertar da situação. Todos nós somos navegadores em mares emocionais, enfrentando tempestades e buscando serenidade.
Ao reconhecer isso podemos construir pontes de compreensão, promovendo um ambiente em que as expressões emocionais, mesmo as mais intensas, sejam acolhidas e compreendidas. Afinal, é na interseção entre tempestades e razões que encontramos a essência da experiência humana.
Por Gustavo Ranieri – revista Vida Simples
É jornalista e, vez ou outra, se pega fazendo drama. Livre da ilusão da perfeição, faz um mergulho honesto nas complexidades do eu.
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