“Lydia não está bem. O médico chamou a família para que se despedisse dela.” Foi com essa frase que mamãe me contou que a irmã mais velha dela estava partindo. Minha mãe é a quinta filha de uma família de seis. Até este dia havia apenas ela e Lydia. “Quer conversar sobre isso, mãe?”. “Não”, dito de forma seca e com intensidade. Mamãe nunca gostou de falar sobre sentimentos. Qualquer um.
Enfrentando uma dor
Eu devia ter entre 10 e 11 anos quando vovó Esther morreu. Lembro-me de acordar com meu pai contando a notícia. Na sequência, ele nos deu café da manhã e nos levou para a escola. Não houve espaço para lágrimas ou lamentações.
Mas eu sinto! Então, no meio da primeira aula, desabei. A freira – estudei em escola católica – conversou comigo. Quando soube que a minha (única) avó havia morrido, me mandou de volta para casa. Estava tão emocionada que não conseguiria passar um pano na cara e retomar os estudos. Fingindo-que-nada-aconteceu.
Ao retornar, vi mamãe sentada na máquina de costura, fazendo forros para travesseiros. Fazia um atrás do outro e não trocamos uma palavra. Posso ouvir o barulho do pedal da máquina enquanto escrevo este texto.
Ela optou por não ir até o Recife, sua cidade de origem. “Para quê? Ela já não está mais aqui”, ouvi enquanto papai insistia para que fosse. Ao me recordar desse momento, penso: ir para enterrar, porque rituais são importantes, mãe; ir para abraçar seus irmãos, aconchegar e ser aconchegada; ir para se despedir de uma parte importante da sua vida; ir para olhar de frente para seus sentimentos.
O preço da fuga emocional
Nunca julguei mamãe pelas fugas emocionais. Somente ela sabe o preço dessa decisão. Mas sei o que isso causou em nossa relação. Distância. Conversamos apenas sobre superficialidades: o tempo, a promoção do leite no mercado, a estripulia do cachorro, o furo na camiseta. Todas as dificuldades, tristezas, alegrias, paixões, ficaram em mim.
As emoções afloram a todo instante. Preciso encontrar formas de esvaziá-las. Escrevo, converso com o namorado, os filhos, a amiga, a terapeuta. Mas com minha mãe, não. Sempre tive receio da música “Como Nossos Pais”, de Belchior.
Conversar sobre os sentimentos consigo mesma, com os filhos, com alguém em quem confie, ame, é parte essencial de uma relação. É viver. Sem forros de travesseiro. Sou eu diante do outro. Com toda a minha fragilidade. À flor da pele.
Por Ana Holanda – revista Vida Simples
É conhecida na família por sentir e chorar demais.
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