Entre idas e vindas, vivi uma história de amor bonita, que durou quase 12 anos. Eu sempre tive a convicção de ter encontrado a pessoa certa, com quem eu passaria minha velhice em uma casa lilás, com rede na varanda e um jardim florindo o ano todo, cheio de margaridas e girassóis.
Combinávamos em quase tudo: gostávamos dos mesmos lugares, tínhamos o mesmo filme preferido e sempre compartilhamos de um desejo de liberdade, de voar pelo mundo. O costume do tempo fazia as coisas parecerem mais fáceis. E viver era muito mais confortável só pela certeza de existir alguém a quem eu sempre poderia recorrer quando as coisas dessem errado.
Ano passado, no entanto, isso acabou. E eu confesso que, até hoje, não entendi muito bem o porquê. Foi tudo muito rápido, e quando percebi a outra pessoa já tinha ido morar em outra história, deixando para mim a mágoa, a dúvida, a solidão e a culpa. Uma danada de uma culpa, insistindo em me dizer que, se eu tivesse feito diferente, escolhido não seguir minhas convicções, talvez as coisas não tivessem tomado o mesmo caminho.
No fundo, eu sabia que tinha terminado, mas a não compreensão dos reais motivos me fez demorar um bom tempo para aceitar. E, mais do que isso, no fim das contas, tudo acabou respingando em vários outros pontos da minha vida: entrei em um período longo de tristeza, não pelo rompimento em si, mas pelos tantos traumas que uma única ação despertou em mim. Como naquela história de uma só gota d’água ser suficiente para transbordar um copo já cheio.
Dificuldade em aceitar os novos ares
Isso acontece mais do que imaginamos, principalmente quando não somos nós a escolher o momento de encerrar um ciclo. Temos dificuldade em aceitar que todas as coisas têm seu início, seu meio e seu fim porque nos apegamos muito a algumas histórias. E inventamos desculpas, criamos situações que justificam a quebra dos vínculos e passamos a viver em uma linha tênue entre o passado e o futuro, nos esquecendo do presente.
Aí já era: insistimos em diversas coisas que já não ressoam mais com a nossa realidade, nem com os caminhos que vamos traçando ao longo da vida porque não temos coragem de encarar a finitude. E não percebemos o quanto essa dificuldade em aceitar os encerramentos nos machuca e nos impede de alcançar algo novo.
Eu falo assim, dando o exemplo de uma relação afetiva. Mas me pergunto também: em quantos outros casos sentimos essa impossibilidade de seguir, acompanhada do grande vazio que fica quando algo termina? Um trabalho do qual somos demitidos, nos obrigando a nos reinventar. Ou o luto por alguém que amamos. Ou ainda uma mudança necessária de uma casa ou cidade, deixando tanto para trás.
Seja qual for a situação, as palavras aceitação, coragem e paciência ficam dançando em minha cabeça sempre que penso nos diversos fins que nos acompanham. E, talvez, um dos pontos mais importantes para encarar tudo com mais serenidade seja manter o coração aberto, pronto para escrever as primeiras linhas novas de nossos recomeços.
Aceita que dói menos
Parece fácil, né? Mas eu sei que, na prática, as coisas não funcionam desse jeito. Então conversei com a médica e psicoterapeuta Cristiane Marino para tentar encontrar respostas. Ela me explicou que quanto mais desconectados estivermos do nosso presente, mais difícil será lidar com os finais.
“Nós não desfrutamos os momentos. E pensamos: ‘quando tal coisa acontecer eu vou ser feliz’ ou ‘vou esperar por isso para concluir aquilo’”, diz. “Por mais difícil que seja fechar um ciclo, quando eu cultivo o estado de presença, as coisas se tornam mais simples do que quando estamos ausentes.”
E essa dificuldade de viver o presente pode ter relação com nos colocarmos sempre entre urgências. Tudo precisa ser rápido, instantâneo e a velocidade das coisas nos priva de sentir de verdade cada dor e cada instante de alegria.
Não podemos controlar tudo
Estamos sem tempo para vivenciar a fundo as sensações e só somos capazes de aceitar um fim quando nos permitimos senti-lo, com todas as suas dores ou libertações. Experimentando o aqui e o agora, nos livramos um pouco da necessidade de controle. E assim, sem criar expectativas e sem querer prever tudo, fica mais fácil aceitar o fluxo natural da vida.
“Temos o apego e a ilusão de que podemos controlar tudo. E pensamos: ‘ah, eu não queria que aquilo acontecesse, que aquela história se encerrasse’”, pontua Cristiane. Segundo ela, isso dificulta a aceitação da mudança dos ciclos da vida porque “quando ela nos impõe e mostra que não controlamos tudo, ficamos um pouco perdidos”.
O mesmo vale para aquelas situações que não ressoam mais com nossa realidade, mas vamos levando, empurrando, por falta de coragem em colocar um ponto final. É como se a gente sempre varresse toda a sujeira para debaixo do tapete.
Enquanto nos mantemos apegados, ficamos presos aos ciclos, justamente por essa necessidade de ter tudo em nossas mãos. É como Cristiane exemplificou: passamos muito tempo olhando só para uma janela fechada e não vemos uma porta bem do lado, esperando para ser aberta.
Nossas fases são como as da natureza
Para ficar ainda mais claro compreender, nós também podemos comparar os ciclos de nossa vida com os ciclos da natureza. Repare bem nas folhas de uma árvore, por exemplo: elas amarelam e caem entre o outono e o inverno, se preparando para renascer na primavera e vivenciar todo o verão para depois recomeçar tudo outra vez.
É natural, é simples e cada passo desse processo é essencial para manter a vitalidade das coisas ao redor. Nada acontece por acaso: até a folhinha seca que cai de uma árvore frondosa tem sua função de adubar o solo e prepará-lo para um novo nascimento. “Quando a gente olha para a natureza e se conecta com ela, muda um pouco essa visão que temos de fracasso”, diz.
Exemplo disso é o ipê-branco: uma árvore rara cuja floração dura três dias! Tem todo aquele processo de passar o ano inteiro trabalhando, se preparando para florescer entre outubro e setembro e durar tão pouco tempo.
Observar essas pequenas coisas e a duração delas nos transporta para um lugar de mais compreensão e aceitação. Além de nos mostrar na prática a impermanência da vida e a nossa própria capacidade de mutação.
Não precisamos ter medo das mudanças e dos redirecionamentos que elas nos impõem. Afinal de contas, se isso tudo funciona tão bem na natureza, por que não funcionaria para nós que também somos parte dela?
Coragem, querido coração
Mas isso tudo demanda de nós uma palavrinha e tanto: coragem. Porque já sabemos que encarar o fim de uma história não é simples. Mas, a partir do momento em que nos colocamos diante dela sem nossas armaduras, decididos a virar a página e aceitando que isso é o melhor a se fazer por nós mesmos, o nosso coração começa a se sentir mais livre, seguro e pronto a dar pequenos passos em direção a um recomeço, ainda que entre dores, feridas e lembranças.
“Aceitar que uma energia não serve mais para nós é difícil. E é importante trabalhar com cada pessoa para que ela tenha coragem de enfrentar a situação que está estagnada e partir para um novo passo”, diz a terapeuta holística Mariana Sakamoto.
Mariana me lembrou também que a coragem nada mais é do que a ação pelo coração. E, quando agimos ouvindo a voz dele, temos a chance de ser mais assertivos e honestos conosco mesmos. Além disso, não podemos esquecer que cada pessoa sente de uma maneira diferente.
A dor que dói em mim não é igual à que dói em você. Temos ritmos de vida bem distintos. E aceitar isso sem comparações e julgamentos é, de certa forma, um grande passo em direção à cura. “Cada um tem o seu timing, o seu tempo de despertar, de se amar, de ver que a vida é muito linda, incrível. E que estar nessa aventura do planeta Terra é maravilhoso”, completa Mariana.
Lidando com o tempo e as mudanças
Esse tempo pode passar arrastado ou ser curto, nos ajudando a superar tudo bem rapidinho. Outras vezes ele também nos atropela e, quando percebemos, estamos bem diante das mudanças que não escolhemos, mas tão necessárias para nós. Foi assim comigo. Foi assim também com a Clareana Turcheti: ela é cineasta, mas não encontrou caminhos para trabalhar nessa área.
A frustração e a sensação de tempo desperdiçado desencadearam em Clareana uma depressão e vários outros problemas de saúde – que só cessaram quando ela decidiu virar a chave. “Eu passei a repensar minhas escolhas. Na época, estava namorando um médico e ele me apresentou o universo da medicina”, conta.
Ela se encantou pela profissão e pela possibilidade de ajudar outras pessoas. Em 2017, saiu da cidade onde morava e voltou para a casa dos pais, em Barbacena (MG). Passou no vestibular de Medicina e tudo ia bem. Até que, em novembro do ano passado, sem esperar ou imaginar essa possibilidade, a vida impôs mais uma mudança: Clareana sofreu um Acidente Vascular Cerebral isquêmico. Foi um susto.
“O AVC quase me tirou a vida, mas sou insistente. E aqui estou, sem os movimentos do lado esquerdo do corpo, lutando por mais um recomeço”, ela me disse. E contou também que o apoio e o afeto dos professores, da família e dos amigos foi essencial para continuar. Além do desejo de seguir vivendo.
Para todo o mal, a cura
Cristiane me explicou que essa vontade de passar pelo sofrimento também é uma forma de cura, e tudo se fortalece junto ao propósito de fazer as pazes com os encerramentos. “Por mais que um ciclo tenha sido ruim, doloroso e eu queira fechar tal período, preciso honrar aquele momento.”
E nós honramos o passado aceitando a presença dele como algo que fez parte de nossa vida e nos ensinou bastante, mas já não nos pertence mais. E podemos fazer isso de diversas formas: escrevendo, nos expressando por meio da arte, de colagens, da pintura… Conversando com nós mesmos ou com algum amigo. Ou até mesmo buscando a ajuda de um terapeuta.
“Quando as pessoas viram a chavinha, é comum também mudar alguma coisa na aparência física, cortar o cabelo, eliminar algum hábito antigo”, afirma Cristiane. São pequenas ações usadas para marcar as transições como símbolos e provas concretas de que, enfim, estamos mudando nossa direção. E nos mostram de forma bem clara a nossa capacidade de superação.
No caso da Dra. Cristiane, ela sentiu o desejo de contribuir com uma ONG para aceitar a mudança de um ciclo e honrar o falecimento de uma pessoa querida. Já no meu caso, entrei para a terapia, voltei a correr e encerrei um blog que estava travando minha escrita e me causando dor. Desde então, toda a caminhada tem sido um reencontro bonito comigo mesma. “É bom ter alguém ou algo que testemunhe, que seja uma prova de que estamos superando uma fase de nossa vida”, observa a médica.
Vale lembrar que virar uma página não é nem nunca será na velocidade que desejamos. As memórias sempre podem voltar e nos encontrar no inesperado. O importante, nesses casos, é a forma como olhamos para elas, compreendendo os aprendizados e enxergando o passado por novos ângulos, com mais alívio e menos dor. Assim, o sofrimento diminui e abre espaços maiores para a cura nos acompanhar.
Tudo novo, de novo
A psicóloga colombiana Gloria Hurtado escreveu uma crônica de que gosto muito: “Encerrando Ciclos”. Meu trecho preferido é este: “Sempre é preciso saber quando uma etapa chega ao final. Se insistirmos em permanecer nela mais do que o tempo necessário, perdemos a alegria e o sentido das outras etapas que precisamos viver. Encerrando ciclos, fechando portas, terminando capítulos – não importa o nome que damos, o que importa é deixar no passado os momentos da vida que já se acabaram”.
Ressignificar nossa história, fazer as pazes conosco mesmos e, mais do que nunca, acreditar em nossa capacidade de seguir em frente, construindo lugares repletos de afeto. Todas essas direções existem para nos lembrar que a responsabilidade de passar por todas as fases da vida é única e está em nossas mãos, honrando quem somos e nos mantendo prontos para avançar com coragem diante dos desafios que se apresentam. Reconhecendo o valor intrínseco que possuímos e os preciosos aprendizados que cada fragmento de nossa trajetória nos proporciona.
Novas histórias, ainda mais belas e repletas de potencial, estão sempre à espreita, aguardando-nos na curva do caminho. Como bem expressou Paulinho Moska em sua canção, “Vamos começar colocando um ponto final. Pelo menos já é um sinal de que tudo na vida tem um fim”. Independentemente da dimensão da dor ou do desafio, a vida segue. E a gente sempre pode ter força para recomeçar. Eu acredito. Desejo que você acredite também.
Por Débora Gomes – revista Vida Simples
Encerrou uma porção de ciclos neste ano. E se considera pronta para viver todas as novas aventuras e descobertas da caminhada.
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